Há dias melhores que outros. Uns menos bons, em que a
vontade de levantar de manhã escasseia e em que não apetece fazer nada porque,
simplesmente, não se tem a energia mental para tal. Outros começam com uma
vontade descomunal, como se um raio de sol irrompesse pela persiana e inserisse
no cérebro algo do tipo ‘é hoje que tudo recomeça’. O problema destes dias é a
espiral descendente que se inicia pouco tempo depois. Ou surge uma música no rádio
que entorpece a mente, ou uma imagem irrompe no ecrã do trabalho que faz
desligar o browser, ou uma simples
expressão aparece do nada, numa mensagem de alguém que não tem nada a ver, mas
que aperta aquele gatilho da saudade.
É complicado, extremamente difícil cortar laços, tenham eles
a dimensão que tiverem. É como se esse apego se transformasse numa ferida
aberta que teima em não fechar. Essa ferida que nos incapacita e nos remove a aptidão
para estarmos sós. Agora, surpreso e agastado por esta novidade, a capacidade
de estar bem simplesmente comigo próprio não existe mais. Aquela independência
ganha ao longo dos anos desapareceu e é agora apenas uma memória. A alma,
aquela identidade que ninguém sabe o que é mas que todos sabem que existe, está
agora vazia. Ou por outra, preenchida pela tua ausência , por mais contraditório
que possa parecer.
Esta ferida que é o apego, faz doer. Faz doer pela sensação
de que falhamos, de que não foi possível ser mais forte e segurar aquilo que
faz mais sentido. Faz doer pela insistência de que as circunstâncias derrotaram
o amor e que ele não foi mais forte que os pormenores insignificantes da vida.
Faz doer pela raiva que imerge ao ter noção de tudo isto.
Há quem defenda que o papel que temos na vida dos outros é
sempre maior do que aquilo que pensamos. Assim é em relação a ti. Honestamente,
escrevo porque me é mais fácil do que dizer-to cara a cara. Existem várias razões
para tal mas a maior é que me perco nesse teu olhar e nesse teu sorriso que
outrora me preenchiam, me completavam.
É altura, parece-me, de arrumar a cabeça e limpar(-te) do
coração. No entanto, e se a primeira tarefa já parece difícil, então a segunda é
quase impossível. Mais o é quando a cabeça e o coração têm necessariamente de
dialogar e cada um defende o seu ponto de vista, e cada um argumenta a favor da
sua causa, e cada um é uma entidade completamente oposta da outra… É
virtualmente impraticável pô-los de acordo!
Aspiro a passar pelos ‘nossos sítios’ e não ter de os evitar.
Ambiciono a poder passar por tua casa sem que tenha de virar a cara e fechar os
olhos. Apetece-me ouvir rádio e não te ter na cabeça a cada música, e para já,
não o consigo fazer. Mas mais do que isso, quero eliminar tudo isto daquilo que
sou. Mas sei que, à semelhança do amor, o esquecimento não se pode igualmente
forçar. Tudo terá o seu tempo e para agora, restar-me-á aceitar esta nova
realidade; uma realidade da qual, pelos vistos, não farás parte (pelo menos da
forma que eu queria). Consta que a vida tem a mania de ser mesmo assim. Muda
quando menos esperamos, como foi no início, como o é agora no fim. Se no início,
o jogo virou e eu ganhei, virou outra vez agora e perdi.
O fim de uma relação é sempre extenuante de tão difícil,
contraditório e impreciso que é. Não importa o que falhou, nunca a culpa é de
um ou outro, nunca a culpa é apenas das circunstâncias, nunca a culpa é parte
do processo. Se pensarmos nos certos e/ou errados, sinceramente não sei dizer
para que lado pende a balança. Contudo, se aquilo que ainda sinto com o coração
faz com que sobressaia o lado bom, o positivo de tudo o que fomos, aquilo que
penso e recordo com a cabeça faz lembrar que não foi o lado bom que prevaleceu.
E uma vez mais, imerge a raiva que faz doer.
E a cabeça recorda por vezes que não se perde quem amamos de
uma altura para a outra. Antes, isso acontece por cada decepção causada, por
cada gesto que faltou, por cada gesto a mais, por cada ausência notada, por
cada pormenor que à partida pode ser insignificante mas que significa o mundo. É
nestas alturas que percebemos que a balança do amor (por mais cliché que possa soar) não se equilibra,
que a vida que pensamos ser dos dois não o é porque um não se decide a
assumi-la, que, se formos bem a ver, nem era suposto assumir… Tantas e tantas
razões e decepções que a cabeça teima em vincar para contrapor o bem-estar e a
felicidade que o coração recorda, juntamente com a lembrança do ‘estar junto’.
E assim se vai deixando de amar alguém. O problema são as
contradições inerentes ao processo, os avanços e retrocessos que frustram
(especialmente quando os retrocessos são por demais evidentes). A verdade é que
o tempo passa e as coisas não mudam, e ainda te amo da mesma forma, e ainda me
fazes falta da mesma forma, e ainda me completas da mesma forma. Podíamos ser
diferentes em inúmeras coisa mas encaixávamos. Mais do que encaixar, fazíamos
bem um ao outro.
Não é novidade mas és a pessoa com a qual experimentei
realmente o que é o amor, o que é ter alguém que significa mais do que eu próprio;
tudo o resto, todas as outras, foram apenas ‘affairs’ (e acredito que eu tenha
sido o que tu és agora para mim para alguma das anteriores… já dizia o outro ‘What
goes around, comes around’). Mas a
verdade é que este tipo de amor não se transmite, é pessoal e intransmissível:
não posso passá-lo para outra pessoa. Terei de te deixar de amar, esquecer e
começar do zero. E o amor não se aprende, mas contigo aprendi muito, a bem ou a
mal. Em teoria, sabemos sempre o que fazer, o que é certo ou errado, mas o amor
incapacita essa faculdade de discernir entre os dois lados da balança. E
erramos, mesmo sem querer e sem nos apercebermos. E tratamos mal aqueles de
quem mais gostamos, sem nos apercebermos e sem o querer fazer, de modo algum.
Pelo menos, aprendi isso contigo, que o amor não se aprende mas vive-se e
experimenta-se. E, sem dúvida alguma, sou melhor com isso. Quanto a ti, não sei
o que de facto aprendeste enquanto estivemos juntos. Em resumo, contigo, de uma
maneira ou de outra, fui aprendendo que o amor não se aprende mas é o tempo que
nos ajuda e nos incita a que o descubramos, e que tempo, respeito, dedicação são
três dos pilares mais importantes que ele tem.
Há que ser honesto, a maioria dos dias acabam conforme
começaram, contigo na cabeça e no coração, com memórias do que fomos e comigo a
espreitar o telemóvel, à espera de uma chamada ou uma mensagem que, como por
magia, volte ao que éramos. Há que ser honesto, todos os dias acabam com a
sensação de que fomos muito, mas poderíamos ser mais. Há que ser honesto, tanto
a cabeça como o coração não se conformam com a forma como a nossa história
acabou.